No superior desinteresse das crianças

discussão

*Começo por pedir desculpas se vou ferir susceptibilidades, porque o que relato em seguida é duro de recordar àqueles que estão a viver uma situação semelhante, ou já viveram. Se o partilho não é porque  não compreenda o que conduz ao rompimento desta linha fina e ténue que existe entre o amor e o ódio, de quem já muito se amou e desejou,  mas antes porque considero importante que se reflita que não é preciso ser assim, as relações não têm que ser conduzir desta maneira.  O facto é que não há melhores, nem piores e é facil que se resvale para as fragilidades do ser humano. É sobretudo por ser tão comum e  tão vulgar, que vale a pena refletir. Os técnicos terão um papel decisivo no apoio a uma família que se quer recosntruir, que quer outro modelo, por isso não escusem esse apoio, procurem-no. Este texto não pretende criar barreiras, muito menos condenações, mas antes criar condições para uma reflexão madura.*

As crianças aparentemente estão defendidas enquanto sujeitos menores pela lei que supostamente atua no superior interesse das crianças, no entanto, muitas vezes famílias e serviços acabam por não atuar conforme o expectável e assim fala-se no superior desinteresse da criança.

Curiosamente é no lar doce lar que muitas vezes esse desinteresse começa. Ou porque os pais estão incompatibilizados e o seu mal estar contamina o bem estar da criança que assiste a um sem número de discussões ou porque os pais decidem separar-se e aí se ambos não estiverem de acordo a civilização é esquecida, o verniz estala e a urbanidade passa a inexistir.

Estamos a falar de conflitos parentais que influenciam diretamente o bem estar da criança e conflituam claramente com o seu desenvolvimento harmonioso.

Com a separação de um casal a estrutura familiar fica fragilizada e naturalmente, dadas as adversidades afetivas e materiais com que pais e mães se vêem confrontados é muito fácil assumir posições que naturalmente nem os próprios suponham que podiam vir a desenvolver. Sim, as pessoas são surpreendidas com as suas próprias atitudes. O pior de cada um é o que surge.

Do amor ao ódio há apenas uma linha tênue e é em situação de crise, quando sentimos que o chão nos foge debaixo dos pés, que o nosso lado mais instintivo dá sinais e rapidamente a pessoa com quem partilhamos intimidade, companheirismo, sentimentos profundos e cumplicidade passa de bestial a besta.

Na minha atividade de terapeuta familiar e de casal, quando estou em consulta com um casal que se encontra em litígio devido a uma separação ou divórcio em curso, ou mal resolvido, é comum ver o sofrimento da criança pela atitude dos pais e também é comum sentir que para os pais naquele momento nada mais importa senão terem razão . Razão para defenderem o seu ponto de vista, razão por não quererem partilhar o que foi fixado pelo Tribunal quanto às visitas e contacto com o outro progenitor, quanto à pensão de alimentos, quanto àquilo que não veem da casa do outro, mas supõem, enfim uma razão que não é contida nem razoável. A pergunta que coloco é: Mas a os senhores em algum momento reconheceram qualidades um no outro para que tivessem partilhado a vossa vida, sonhos, intimidades e até filhos em comum. Onde estão e quais são?

No divórcio ou separação as fontes de origem do litígio são, pelo menos, três :

Quem sai da casa de família

Como se dividem os bens

O que se resolve quanto aos contactos com os filhos.

Então vamos focar-nos nestes três aspetos:

Quem fica na casa? A primeira frase é inequívoca “fico eu porque tu é que quiseste o divórcio”, “fico eu porque eu sempre gostei mais desta casa do que tu”, “fico eu porque os miúdos vão ficar comigo”, e as alegações a pretenderem provar esse direito são infindáveis e, todo e qualquer pormenor, com sentido ou não, é referido. Até pode ser feita uma relação entre o direito à casa e o passeio diário com o cão, caso o animal fique com o progenitor passeante, porque até o cão já esta afeiçoado à zona.

Depois vêem os bens. Após o divórcio há necessidade de dividir os bens, esta é uma guerra clássica porque ambos alegam ter direito a tudo. Os bens que até agora eram pertença de ambos, de repente ganham uma nova propriedade e propriedades que os tornam mais de um do que de outro: ao pesiché que já estava na sua família materna desde 1900, à mala de viagem que compraram no verão passado para as férias no Algarve, ao carro de alta cilindrada ainda que depois não exista dinheiro para manter, ao frigorifico que foi comprado com as poupanças mensais de um deles, e á bimby comprada com as poupanças de ter deixado de fumar tudo é válido. Faturas , atas do tribunal, fotografias, tudo serve para provar que sim, TÊM DIREITO.

Querem ficar com tudo ainda que na futura casa só caiba um terço e depois tenham que dar os restantes elementos a alguém ou a alguma instituição, tudo e preferível a uma partilhada civilizada.

Chegam a ficar com os colchões e o outro leva a cama, ainda que a cama que se venha a comprar não tenha as medidas daqueles colchões, enfim isto é o que se pode passar, sim isto pode passar-se e passa-se.

E, finalmente os filhos, igualmente terão que ser divididos tal qual uma bimby, um sofá ou um colchão.

As crianças são o elo mais fraco desta equação. Para já porque devem a sua lealdade a pai e mãe, amam os dois, e nem compreendem muito bem como os pais chegaram até ali.

Durante muito tempo foi comum as crianças ficarem à guarda da mãe e cabia ao pai uma pensão de alimentos, nesta situação, e ainda hoje acontece, os pais muitas vezes declaram falência ou uma indigência dificilmente entendida. Abrem uma pasta com as futuras do operador que fornece as telecomunicações, da peixaria, da farmácia, dos ténis comprados aos filhos e a declaração de desemprego.

Não pagam as pensões mas continuam a ter uma vida confortável. E depois na casa da mãe ouve-se “O menino quer ir para a neve? Quer ir? Então peça ao seu pai que pague a pensão que não paga há seis meses.”

Vamos imaginar que o juiz decide a guarda partilhada. Situação que atualmente é comum. Há pais que chegam ao cúmulo de mudar a sua residência para uma região diferente daquela em que sempre viveu e viveram só para que a guarda lhe seja entregue.

Tendo sido fixada a guarda partilhada a criança passa a ter duas casas e dois estilos de vida completamente diferente, certamente no seu superior interesse, numa casa faz um regime alimentar de fast food e noutra passa a ser vegetariano.

Até as roupas que veste deve saber como usar. Há situações em que a criança na sexta feira que alterna para a casa da mãe tem que saber que mal chega, despe-se, toma banho, e esquece as roupas trazidas da casa do pai, porque nem essas podem ser suportadas pela mãe.

Abre-se a mochila para verificar os recados e vem lá a fatura do aparelho do menino para dividir pelos dois. Cai o Carmo da trindade. Eu nem soube que tu foste ao dentista, não tenho que pagar nada. Olha diz ao teu pai que fica pelos livros da escola que ele, referindo-se ao pai, nunca pagou! Mas para ires ao Alentejo para a semana já há dinheiro.

A pergunta feita ao advogado é quanto é que quer? Quanto custa o seu trabalho? Vamos para a guerra. Vamos ganhar isto!!!

Perante um conflito exacerbado dos pais podem ser tomadas medidas de afastamento que podem resultar numa institucionalização do menor, mas nem com isso eles se importam, porque nem nisso conseguem refletir. Aliás estão tão ocupados com as suas fragilidades e zangas que nenhum deles se lembra de perguntar à criança como se sente. Ainda esperam é que elas consigam escutá-los e dar-lhes razão.

Mas será que a crianças têm que pagar um preço tão elevado por um conflito que não é delas mas que de repente até as faz sentirem-se a culpadas de tudo. Sim porque antes ninguém lhes pediu opinião, só agora, só agora que tudo está estilhaçado é que desabafam sobre si frases e sentimentos que a sua condição de criança não lhes permite decifrar e por isso se sentem obrigadas a crescer mais rapidamente do que seria suposto. Têm que crescer rapidamente para poderem acompanhar a lógica ilógica dos pais.

As pessoas não nascem pais, tornam-se pais e de facto no superior interesse da criança devem esforçar-se por serem pais, pais que efetivamente protegem e que efetivamente agem no superior interesse dos seus filhos. Fácil? Não claro que não será fácil, mas quanto maior for a zanga menos fácil será————

 

Alexandra Alvarez I Terapeuta Familiar, Parental e Conjugal

Consultas de 2ª a sábado após as 17h nos dias úteis, e manhãs de sábado. Faça o seu agendamento pelo TM 911 846 427. Clinica Biuti, em Alvalade.

Publicado por Academia Alexandra Alvarez I Terapia Familiar, de Casal, e de Grupo

Olá, sou Alexandra Alvarez, mãe de 5 filhos, terapeuta familiar, de casal e de grupo, formadora e supervisora. Faço consultas com famílias e casais para "fazer acontecer" relações positivas! Aqui treinamos relações. Uma nova oportunidade, para que todos sejam ouvidos e para que todos possam ouvir, numa perspetiva de entendimento e reforço de competências. " Family trainer " (inspiração no personal trainer), num modelo aproximado de coaching familiar, parental e de casal! Com paixão!

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